julho 20, 2009

Noite de Carbíria

Sempre tive medo do escuro, pensou ao abrir os olhos e perceber que não houve diferença alguma na luminosidade.Piscou mais uma vez e as trevas ainda prevaleciam.

Por um instante não soube o que fazer. Possibilidades infinitas passaram por sua cabeça, ou o que pareciam infinitas no momento. Não tinha o hábito de contar as opções que lhe ocorriam na cabeça quando era obrigada a enfrentar situações difíceis.

Um estampido forte a acordou de seu devaneio de divagações desconexas. Aparentemente, algo de vidro havia quebrado. O barulho parecia vir da cozinha.

Tateou a parede áspera à sua direita, procurou algum ponto de equilíbrio. Já sabia onde estava, alquns passos a separavam da porta do quarto. Até a cozinha, porém, seria um grande caminho. Ou tão grande quanto poderia ser numa casa escura, no começo da noite.

Odiava sentir que sua visão sumira, por isso o escuro lhe apavorava tanto. Desde pequena as cores saltavam aos seus olhos, as letras, os desenhos, posteriormente, os filmes e os quadros. Vivia para os olhos, vivia por causa deles. Ter este sentido roubado, sem mais nem menos, era uma verdadeira tortura.

O cérebro se adapta facilmente, pensou ao descobrir que sabia o caminho do quarto para a cozinha de cor. As mãos passavam pelos dois lados do corredor, o barulho da pele roçando com a parede ecoava no ar, o silencio, para ela, era também a falta de luz...mas nos ouvidos.

Riu sozinha dessa insanidade sensorial. Os ouvidos nunca perceberiam as trevas. Para eles, as cores não importam, tão pouco as tonalidades ou as luzes duras e difusas do mundo. Os ouvidos...ouvem.

A sala lhe pareceu cada vez maior, os seus passos não ecoavam mais, sentia o tapete com seus pés descalços. Essa sensação lhe fez parar de sopetão: estava descalça!!! Como poderia entrar numa cozinha provavelmente cheia de cacos de vidro sem saber onde podia ou não pisar?

Arriscaria ou não a integridade de seus pés? Outras questões lhe incomodavam nessa hora: por que a luz acabou? Será que alguém deixou de pagar a conta? Será que estou cega? Alguma ecatombe se caiu na cidade, e os bairros ficaram sem energia elétrica? Enquanto as perguntas surgiam, cada vez mais exageradas e desesperadas, respirou e tomou uma decisão, fez uma escolha: continuou seu caminho.

Resolveu desbravar a cozinha e o piso de vidro quebrado. Nada resolveria aquelas questões, provavelmente, saberia das respostas mais tarde. Se não as tivesse, então não seriam as respostas que queria, ou não teria feito as perguntas de maneira correta.

De qualquer maneira, as velas e os fósforos estavam na gaveta de talheres, mesmo. A luz valia aquele pequeno risco.

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