setembro 15, 2010

Pretensões [ou manifesto]

Sou aquilo que não se pode parar, não se pode delimitar, não se pode nomear. Como aquele sentimento do qual você não consegue precisar a origem, nem definir o ponto final. Aquilo que arrebata, te leva para longe e te faz voltar em dois segundos. Se a viagem é boa ou não, já não cabe mais a mim opinar.

Não espere de mim: coerência, inteligência, ignorância, beleza, feiúra, postura, educação, bom humor, mau humor, palavras corretas, ações politicamente corretas ou comumente aceitas. Não espere nada de ninguém.

Guardo aqui dentro a minha própria destruição e meu próprio vazio. Sou uma mistura de elementos contraditórios, sentimentos contraditórios, gostos diversos e ações controversas.

Não me leve pelo braço, não me nomeie, não me venha com conversa mole. Não estou interessada, não quero, muito obrigada.

Não preciso que me diga como devo seguir o meu caminho, muito menos que tipo de sentimento deveria sentir. Não necessito que me dite seus cânones, suas preferências, seus conceitos, seus preconceitos, suas gírias e seus estilos. Não sou obrigada a explicar porque discordo, porque não entendo e porque não sigo.

Descobri que minha liberdade está aqui, em algum lugar entre a sua e a minha cabeça. Deixe-me viver.


julho 27, 2010

Dont touch my moleskine

Acho que parei de contar a quantidade de críticas que escuto. Mentira, não parei, mesmo. Escrevo-as todas em um caderninho, um moleskine cerebral, capa preta, páginas igualmente negras e letras douradas em caixa alta. Todinhas, as ditas, as não ditas, as escritas em olhares reprovadores, em olhares assustados, em atitudes 'protetoras', em silêncios - os silêncios são sempre os mais críticos.

O que faço com elas?

Poderia dizer que as analiso uma a uma e repenso minhas atitudes. Mas seria outra mentira. Eu as mantenho no caderninho que abro quando não preciso. Leio-as quando não necessito; repito-as quando não quero escutar; e memorizo apenas as que não tem quase nenhum significado.

A verdade é que todas essas críticas não mostram o que as pessoas pensam de mim, mas o que eu penso que as pessoas deveriam pensar de mim. Ou, o pior, o que eu penso que eu deveria ser para essas pessoas todas.

E, o pior mesmo de toda essa história, é que eu não cogito na possibilidade de jogar o caderninho fora. As pessoas só existem de verdade para mim quando foram autoras de algumas passagens nele.

Não sei porque insisto em le-lo. Ou em preenche-lo. Talvez isso seja o superego.


maio 27, 2010

Expressionismo Cubista

Será que se a faixa de segurança fosse em diagonal as pessoas atravessariam a rua de forma torta?
Como ficariam as esquinas, triangulares? E as placas? Ou os semáforos? As luzes do semáforo poderiam ser quadradas para homenagear todos os angulos estranhos que seriam formados nas ruas?

O meio fio também teria que ser desigual, torto, anguloso, não é mesmo? E os boeiros poderiam ser hexagonais, ou...octogonais, ou...decagonais....só para ter linhas retas? Os buracos no asfalto poderiam, também, ser quadratos ou em formatos de trapézio ...

Acho que entendo Fritz Lang.



abril 12, 2010

passada

O passado é como um bloco. Lembro de ter visto isso num filme, deveria te-lo lido num livro, mas preferi assistir ao filme. De qualquer forma, não acho isso. O passado não é um bloco, é uma daquelas bolas de ferro que colocam amarradas aos pés dos presos, sabem?

Por mais que pese, ainda dá para andar, ainda se consegue colocar um pé na frente do outro. Ir para frente. Ou, tão para frente quanto se consegue quando seu tornozelo está preso a o que parecem toneladas. Nem sempre a bola é grande, nem sempre ela é feita de chumbo. O peso é sempre o triplo para quem está carregando.

E sabe por que pesa tanto? Sabe porque machuca tanto a perna?Porque ainda não foi liberado. Porque ainda tem uma importância tão grande, que ganha materialidade, que ganha um corpo físico (e metafísico). Porque é tão inquestionável, que mata todas as certezas, todas as levezas, todos os caminhos. Ninguém aguenta carregar tal peso por um caminho longo, logo, fica parado.

É, o passado não é um bloco, mas acho que ele bloqueia, prende. E o mais torturante é perceber que, mesmo com as próprias mudanças - intrínsecas a qualquer passagem de tempo - certas ações se repetem, certos pensamentos voltam, certos sentimentos ainda doem. Frustra muito saber que quase tudo foi em vão.

Parece uma grande piada. Quando acredito que estou mais livre, é que me vejo mais presa. Quando acho que progredi muito, é que retrocedi metros. Tudo ao contrário, contra a lógica. Os grilhões pesam cada vez mais, e não só nos tornozelos, passaram para os braços, para os ombros e , lógico, para a cabeça.

Cada vez que olho para o passado, percebo que em alguma parte do caminho deve ter se perdido a chave que libera o meu grilhão. Continuo presa, parada, errada, acuada, magoada, despreparada, embasbacada e mais nada.

março 25, 2010

Informe

Espera, espera um segundinho, a luz ainda não ligou. Os holofortes não estão todos conectados. Você entende, não? Tecnologia, é assim mesmo!

Não, não, ainda não. Não pode, eles ainda não limparam tudo. Toda a sujeira está espalhada pelo chão, já mandei irem limpar. Afinal, não queremos estragar a sua grande entrada. Você entende, não? Limpeza, é assim mesmo!

Para, para, paara!!!! Não, ainda não pode. Ainda não está lotado. Tem gente entrando ainda. Você entende, não? Atraso, é assim mesmo!

Por que? Por que se precipita tanto? Já falei que precisa esperar. Já falei. O retorno não está bom. Estamos trabalhando para que isso melhore, já que nos ensaios foi tudo perfeito. Você entende, não? Imprevisto, é assim mesmo!

Sinto-lhe informar, mas seu show foi cancelado. Com todos esses problemas, muitos desistiram enquanto esperavam na plateia, e os donos do teatro decidiram que não valia mais a pena. Sim, eu sei que queria ter entrado de qualquer maneira. Mas não entrou, não é mesmo? Não precisa ficar repetindo, eu sei o quanto o show era bom. Não, por favor, não chore. Não vale a pena. Você só perdeu o seu momento de brilhar, só isso. Mas você entende, não? A vida é assim mesmo!

março 22, 2010

Hair

Quem apoia quem? Os cabelos no rosto ou o rosto nos cabelos? Não fazia diferença alguma naquele momento, usava seus cabelos como cortina, queria se esconder atrás deles e sumir do planeta. Como se os cabelos trouxessem um tipo de invisibilidade digna de super-heróis de quadrinhos.

Não era vergonha que sentia, era algo além disso. Além da vontade de não ter feito, da vontade de não ter dito, da vontade de não ter reagido. Era um querer não ter nascido, um querer nunca ter existido, nem pisado, nem feito, falado e reagido, na sua história de vida.

É impossível de viver sem fazer tudo isso, logo, queria não ter vivido. O arrependimento queimava mais as suas entranhas que todas as doses de vodka de procedência duvidosa que acabara de engolir. E os cabelos continuavam ali, moles e semi-oleosos na frente de seu rosto.

Não sabia mais o que fazer. A situação não poderia continuar daquela forma. As equações teriam que mudar, só assim os resultados teriam chances de serem diferentes. Por que precisava pensar no passado? Por que se sentia tão influenciada pela sua história? A bagagem que carregava não poderia pesar menos?

Suas costas carregavam tudo. E tudo que carregava eram mágoas, pesadas mágoas de uma única vida. Não podia se esconder daquilo que já tinha passado, seus cabelos poderiam ter o dobro do tamanho, e, ainda assim, não fariam esse trabalho. Cortinas, eram cortinas de um palco de teatro.

Mesmo que passasse o resto dos tempos sentada na coxia, isso não mudava o fato de ter ensaiado a peça mil vezes, e ter aprendido sobre cada personagem presente na trama. O passado estaria sempre impregnado em si, assim como os cabelos na sua cabeça.

Raspou-os. Mil motivos a levavam a se esconder, e um milhão a não se importar com tudo aquilo que tinha passado. Cortou tudo, talvez assim se sentisse livre.

março 02, 2010

Casamento

Uma criança que se esconde debaixo de uma mesa numa festa de casamento. Aproveita-se de seu pequeno tamanho, fica paradinha, sentada observando as pontas dos sapatos dos convidados em sua volta.

A mesa é redonda, o mundo é redondo, pensa ela, a mesa é seu mundo, e o mundo não se passa de uma mesa em que se colocam coisas em cima. A última parte ela não pensa, porque, afinal, se ela está embaixo da mesa, está no submundo, abaixo daquilo que todos observam.

Mas ela não imagina nada disso. Fica ali, quietinha, olhando por debaixo da seda branca que colocaram para cobrir a mesa redonda. Festas assim são chatas, não foram feitas para crianças, não tocam nenhuma música que ela conhece, muito menos fazem questão de incluí-la naquele local.

Mesmo assim, a criança não chora. Fica agachada entre o topo da mesa e o chão, envolta por seda branca e sapatos. E pelo seu próprio sapatinho branco. Ela apoia as mãos nos joelhos, e apoia a cabeça nas mãos, seu rosto parece desolado. Como o de um adulto cansado.

Quando ela está quase adormecendo nessa posição ingrata, uma pessoa levanta a borda da toalha de mesa. É sua mãe. Estão procurando o seu buquezinho de dama de honra para a noiva atirar às convidadas solteiras.

Em poucos segundos a mãe retira o buquê da criança, e devolve a ponta da toalha de mesa ao lugar em que estivera.

Aí sim, a menina começa a chorar.