março 25, 2010

Informe

Espera, espera um segundinho, a luz ainda não ligou. Os holofortes não estão todos conectados. Você entende, não? Tecnologia, é assim mesmo!

Não, não, ainda não. Não pode, eles ainda não limparam tudo. Toda a sujeira está espalhada pelo chão, já mandei irem limpar. Afinal, não queremos estragar a sua grande entrada. Você entende, não? Limpeza, é assim mesmo!

Para, para, paara!!!! Não, ainda não pode. Ainda não está lotado. Tem gente entrando ainda. Você entende, não? Atraso, é assim mesmo!

Por que? Por que se precipita tanto? Já falei que precisa esperar. Já falei. O retorno não está bom. Estamos trabalhando para que isso melhore, já que nos ensaios foi tudo perfeito. Você entende, não? Imprevisto, é assim mesmo!

Sinto-lhe informar, mas seu show foi cancelado. Com todos esses problemas, muitos desistiram enquanto esperavam na plateia, e os donos do teatro decidiram que não valia mais a pena. Sim, eu sei que queria ter entrado de qualquer maneira. Mas não entrou, não é mesmo? Não precisa ficar repetindo, eu sei o quanto o show era bom. Não, por favor, não chore. Não vale a pena. Você só perdeu o seu momento de brilhar, só isso. Mas você entende, não? A vida é assim mesmo!

março 22, 2010

Hair

Quem apoia quem? Os cabelos no rosto ou o rosto nos cabelos? Não fazia diferença alguma naquele momento, usava seus cabelos como cortina, queria se esconder atrás deles e sumir do planeta. Como se os cabelos trouxessem um tipo de invisibilidade digna de super-heróis de quadrinhos.

Não era vergonha que sentia, era algo além disso. Além da vontade de não ter feito, da vontade de não ter dito, da vontade de não ter reagido. Era um querer não ter nascido, um querer nunca ter existido, nem pisado, nem feito, falado e reagido, na sua história de vida.

É impossível de viver sem fazer tudo isso, logo, queria não ter vivido. O arrependimento queimava mais as suas entranhas que todas as doses de vodka de procedência duvidosa que acabara de engolir. E os cabelos continuavam ali, moles e semi-oleosos na frente de seu rosto.

Não sabia mais o que fazer. A situação não poderia continuar daquela forma. As equações teriam que mudar, só assim os resultados teriam chances de serem diferentes. Por que precisava pensar no passado? Por que se sentia tão influenciada pela sua história? A bagagem que carregava não poderia pesar menos?

Suas costas carregavam tudo. E tudo que carregava eram mágoas, pesadas mágoas de uma única vida. Não podia se esconder daquilo que já tinha passado, seus cabelos poderiam ter o dobro do tamanho, e, ainda assim, não fariam esse trabalho. Cortinas, eram cortinas de um palco de teatro.

Mesmo que passasse o resto dos tempos sentada na coxia, isso não mudava o fato de ter ensaiado a peça mil vezes, e ter aprendido sobre cada personagem presente na trama. O passado estaria sempre impregnado em si, assim como os cabelos na sua cabeça.

Raspou-os. Mil motivos a levavam a se esconder, e um milhão a não se importar com tudo aquilo que tinha passado. Cortou tudo, talvez assim se sentisse livre.

março 02, 2010

Casamento

Uma criança que se esconde debaixo de uma mesa numa festa de casamento. Aproveita-se de seu pequeno tamanho, fica paradinha, sentada observando as pontas dos sapatos dos convidados em sua volta.

A mesa é redonda, o mundo é redondo, pensa ela, a mesa é seu mundo, e o mundo não se passa de uma mesa em que se colocam coisas em cima. A última parte ela não pensa, porque, afinal, se ela está embaixo da mesa, está no submundo, abaixo daquilo que todos observam.

Mas ela não imagina nada disso. Fica ali, quietinha, olhando por debaixo da seda branca que colocaram para cobrir a mesa redonda. Festas assim são chatas, não foram feitas para crianças, não tocam nenhuma música que ela conhece, muito menos fazem questão de incluí-la naquele local.

Mesmo assim, a criança não chora. Fica agachada entre o topo da mesa e o chão, envolta por seda branca e sapatos. E pelo seu próprio sapatinho branco. Ela apoia as mãos nos joelhos, e apoia a cabeça nas mãos, seu rosto parece desolado. Como o de um adulto cansado.

Quando ela está quase adormecendo nessa posição ingrata, uma pessoa levanta a borda da toalha de mesa. É sua mãe. Estão procurando o seu buquezinho de dama de honra para a noiva atirar às convidadas solteiras.

Em poucos segundos a mãe retira o buquê da criança, e devolve a ponta da toalha de mesa ao lugar em que estivera.

Aí sim, a menina começa a chorar.